Novo atalho para controlar a fome

A reduçao de estômago pela boca é uma soluçao mais simples e que resulta em casos de obesidade moderada

Quando Gontrand López-Nava agarra nos comandos do endoscópio, a sala de operaçoes prece transformar-se num salao de jogos. O gastroenterologista roda um e outro pulso, em movimentos amplos que se propagam ao resto do corpo. É a “manobra do toureiro”, compara ou nao fosse o médico de origem espanhola. No ecra, a equipa em sala – anestesista, enfermeiro, e outros gastroenterologistas que estao ali para ver López-Nava trabalhar – vai acompanhando o avanço da cirugia. Através da boca da paciente adormecida, López-Nava inseiru endoscópio, semelhante ao usado duramte um exame de diagnóstico. Dentro do aparelho que se assemelha a um agrafador. Assim que chega ao estômago, o médico, auxiliado pelo enfermeiro que ven com ele de Madrid, uma vez por mês, para realizar o procedimento no Hospital St. Louis, em Lisboa, começa a dar pontos na parede interna do órgao- A sutura atravessa todo o estômago, deixando-o com a forma de uma manga e com área útil, ou seja, capacidade para encher com comida, mais reduzida.

Esta técnica, de nome gastroplastia reductora endoscópica, começa a ser encarada como uma boa ajuda na luta contra a obesidade, o problema que já foi considerado o “flagelo do século XXI.” De acordo com a Organizaçao Mundial da Saúde (OMS), no mundo há 1,9 mil milhoes de adultos com excesso de peso, 650 milhoes dos quais sao obesos – triplo do que havia em 1975. “Noventa e nove por cento das pessoas com obesidade nao têm acesso a tratamento”, sublinha López-Nava. E, além dos problemas diretamente associados ao peso a mais, como a diabetes, sabe-se hoje que a gordura, que promove a inflamaçao no organismo, aumenta o risco de 18 tipos de cancro.

A epidemia parece nao ter fim à vista, sobretudo porque combatê-la implica mudar comportamentos, do mais difícil que há. “Quando se trata de perder peso, o único método que perdura no tempo é a mudança de hábitos, Isto é verdade para todas as intervençoes”, atira o gastroenterologista espanhol, referência mundial neste tipo de intervençao. “Muitas pessoas estao convencidas de que comem bem, de que fazem tudo certo. Mas a verdade é que se têm excesso de peso é porque ingerem mais calorias do que aquelas que gastam. É preciso acabar com o mito de que nao é pelos erros alimentares que se engorda.”

Este método no qual o médico se especializou representa “apenas” uma ajuda no processo de reeducaçao alimentar e comportamental perante a comida e a atividade física. “Magia nao fazemos”, insiste, desassombrado.

Já sabemos que nao há magia nesta luta com a balança, mas quem vê as fotos do antes e depois de Marisa Oliveira Marques, 39 anos, fica tentado a acreditar que ela existe. A assistente social e presidente da APOBARI, Associaçao Portuguesa dos Bariátricos, já pesou 140 quilos, comia dez carcaças ao pequeno-almoço e tinha um Índice de Massa Corporal (IMC) de 42. (De acordo com a OMS, um IMC de 25 é considerado excesso de peso, acima de 30 é obesidade). Para pessoas com IMC acima de 40 que estejam determinadas a perder peso, é possível fazer-se cirurgia bariátrica – uma variedade de procedimentos que promovem a perda de peso através da reduçao do tamanho do estômago. Marisa fez a sua há cinco anos, dizendo adeus a metade dos quilos que tinha. Hoje dedica-se a dar apoio aos candidatos e membros da assiciaçao. Para pessoas com um IMC entre os 30 e os 40, a opçao pode passar pela reduçao de estômago feita pela boca. Um procedimento mais simples, sem os riscos da cirurgia e com bons resultados em situaçoes intermédias. Ou seja, quando há dez a 20 quilos a perder. Também é uma boa soluçao para quem teme uma cirurgia. “Vem dar resposta a doentes que estao numa zona cinzenta. Nao têm IMC para a bariátrica, mas nao conseguem chegar ao peso certo só com dieta”, diz Marisa Marques.

PARA O EFEITO IOIÔ

Cândida Ferreira é uma mulata vistosa, que nao aparenta os 65 anos que tem. Gosta de se cuidar, corpo e cérebro incluídos. Frequenta o curso de Direito, faz exercício físico, tem uma vida social ativa. Mas andava em luta com a balança. Depois da menopausa, da terapia de reposiçao hormonal e de ter deixado de fumar, tudo se complicou.

Nunca cheguei a ter uma relaçao compulsiva com a comida, mas passei a ter muito mais apetite. Mesmo alimentando-me de forma saudável, fazendo dietas e indo ao ginásio três vezes por semana, perdi o controlo do meu peso”, conta, já de bata vestida, pronta a entrar no bloco do Hospital St. Louis. “Sinto-me grande”, justifica. Já tinha pensado em candidatar-se à cirurgia bariátrica, mas pareceu-lhe uma abordagem demasiado radical para o seu caso. Até que ouviu falar da reduçao do estômago pela boca e nao hesitou mais. Antes de ter sido aceite no processo, comprometeu-se a cumprir o rigoroso regime alimentar obrigatório no mês seguinte à intervençao: quatro semanas de dieta líquida, ingerida em quantidades mínimas que vao aumentando progressivamente. “Nao opero um paciente que nao entenda a mudança de hábitos”, insiste López-Nava. Cândida é certamente uma “boa aluna”. Voltamos a encontrá-la na terceira semana após a reduçao do estômago, com um vestido que já nao usava há um bom tempo. Só na primeira semana, perdeu seis quilos, na segunda, foram-se embora mais ois. No frigorífico, só tem caldo de legumes, batido de morango e as bebidas proteicas recomendadas pela nutricionista que avalia os doentes antes da intervençao e os acompanha ao longo do ano seguinte. “Ás vezes, peso num bom bife ou numa salada de agriao com pera-abacate”, admite. “Mas nao sinto fome. Psicologicamente, estava preparada para esta fase”.

Carlos Vaz, médico do Hospital CUF Infante Santo e especialista em cirurgia bariátrica, afirma que este é um bom método para situaçoes em que “o risco inerente ao peso ainda nao compensa o risco da cirurgia bariátrica”, Tipicamente, pacientes que andam há anos sob o dito efeito ioiô: engorda e emagrece, para voltar a engordar. Ou até pessoas que já puseram uma banda gástrica, mas voltaram a ganhar peso. “Vinte por centro dos pacientes nao conseguem cumprir o objetivo”, avança López-Nava. “A fome só se acalma com comida e esta é apenas uma ajuda que damos para que a pessoa consiga comer menos”, continua. “De manha, temos de planear o nosso dia e prever quando vamos a sentir fome. Tal como fazemos relativamente à bateria do telemóvel”, compara. “É importante estar preparado e ter qualquer coisa para comer nestas alturas. Eu, por exemplo, tnho aqui comigo um bocadillo”, revela.

Tudo com conta, peso e medida.

Publicado na revista Visão Saúde.